quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Análise Filosófica: Fedro (Platão)



             


                                       Amor, Beleza e Verdade na Filosofia Platônica

"Fedro" é uma das mais sublimes obras platônicas. Platão escreveu "oficialmente" vinte e sete diálogos, entre os quais se destacam quatro : Banquete, Fédon, Fedro e A República. Cabe-se necessário salientar que essas quatro obras são as mais populares, não menosprezando o alto teor de importância das demais.
 "Fedro" é intitulado como o diálogo que expõe as considerações de Platão sobre a retórica e o amor. A retórica é a arte de falar bem, de convencer o público, é o ato de embelezar o discurso a fim de ser mais convincente. Com o passar do tempo a retórica acabou se tornando sinônimo de "palavras vazias", perdeu-se a preocupação em informar a verdade e muitos oradores usavam-na apenas como forma persuasiva. O amor que se refere o diálogo ficou conhecido como "amor platônico", popularmente conhecido por ser um sentimento ilusório e fantasioso. Contudo veremos que a definição citada anteriormente está equivocada, Platão distingue o amor (amor platônico) da paixão dando significados antagônicos para os mesmos, enquanto o primeiro é divino o segundo se deleita na consumação dos prazeres.




A obra também merece reconhecimento por suas pequenas impressões ocultas na conversação de seus protagonistas. Tais impressões revelam aspectos de suas personalidades, trazendo para o leitor uma visão além do que o texto deseja informar. Sente-se o estado de espírito de cada personagem, e é criado um pré-conceito sobre suas reais intenções.

Sócatres e Fedro encontram-se numa rua de Atenas

O diálogo começa com o encontro de Fedro e Sócrates. No início da conversação entre os dois, tira-se algumas conclusões que acabam tornando a leitura mais dinâmica expressiva. Fedro é supostamente mais jovem que Sócrates e sua alma está transbordando de sede pelo saber. Sua juventude parece ser exposta na falta de discernimento do rapaz, Fedro se encanta por qualquer discurso, e não tem a capacidade de distinguir conhecimento verdadeiro de retórica vazia. Sócrates apresenta-se como um velho irônico e conhecedor das limitações de Fedro,apaixonado por discursos, vê neles uma oportunidade de testar seus conhecimentos e abrir as mentes mais confusas, por isso acaba se entregando ao ávido desejo de Fedro de expor tudo o que ouviu de Lísias. Mestre de retórica e um grande discursador, Lisías, é admirado por Fedro e desprezado por Sócrates, todo o diálogo se baseia nessa relação de amor e repulsa. É notável também a veneração o jovem rapaz por Sócrates e seu desejo de aprender e testar os conhecimentos do velho filósofo se mantém na maior parte da obra. A personalidade de Fedro é tecida por suas perguntas e afirmações, isso pode ser visto na seguinte citação:

“ Fedro – Parece que nem de propósito vim sem sandálias,quanto a ti, já é de costume andares descalço, como toda a gente sabe.”

Nesse trecho é perceptível o desprendimento de Sócrates da vida material, andar descalço simboliza sua humildade em relação aos questionamentos da vida e sua real posição de eterno aprendiz. Fedro logo no início da comunicação faz questão de salientar que não está descalço de propósito, numa tentativa frustrada de mostrar que não estava copiando o filósofo. Esse gesto acaba por revelar a busca da autoafirmação do rapaz e seu culto a Sócrates.

O discurso de Lísias

Após encontrar um lugar tranquilo fora da Polis, Fedro relata o discurso de Lísias para o tão ansioso Sócrates. Na opinião de Lísias os amantes são movidos por um desejo desenfreado e após saciar esse desejo arrependem-se, enquanto aqueles que não amam não têm motivos para se arrepender do bem que fazem, pois não foi a paixão que os motivaram e sim o simples desejo de fazê-lo. Os apaixonados acabam por criar uma pseudo personalidade para atrair seus amados, tornando-se agradáveis aos olhos, julgam-se os melhores amigos dos seus amados e suportam todos os tipos de aflições para provar isso, mas na primeira oportunidade se entregam a outro alvo, fazendo por este muito mais que fizeram por aquele,e ainda por cima, se o novo assim desejar, acaba prejudicando o anterior. Para os apaixonados todos oferecem risco, são formados por inseguranças e por causa delas afastam seus desígnios de tudo aquilo que pode oferecer perigo, como por exemplo : alguém mais rico, mais jovem, mais inteligente ou mais bonito. Em contra partida os que não são afetados pela paixão são conscientes de suas qualidades e preferem que seus amados tenham convívio com outras pessoas, na finalidade de se conquistar boas amizades. Os amantes movidos pela libidinagem acabam por preferir o corpo ao caráter, concluí-se assim que depois de satisfeitos esses desejos, seja duvidoso o interesse dos mesmos em manter alguma relação. Enquanto aqueles que a paixão não toca se aproximam por intenções concretas e após iniciado uma boa amizade e satisfeitas as vontades continuam em uma relação sólida e consciente.

“Queres te tornar cada vez mais virtuoso, confia em ti e não na pessoa que te ama, pois o que ama louvará sempre as tuas palavras e teus atos sem se preocupar com a verdade e com o bem, de medo de te perder ou pela simples cegueira que é própria da paixão. São estas as ilusões do amor.”
Lísias encerra o discurso afirmando que o homem deve prestar favores àqueles que não são seus amantes, pois é deles que virá a retribuição. Deixar-se dominar por um sentimento egoísta, desenfreado e inconsequente é perigoso e danoso. O que ama sem se entregar aos deleites da paixão está livre de tais males.


Crítica de Sócrates

Sócrates não se impressiona com o discurso, e na sua concepção o seu autor apenas ecoou conhecimentos tão antigos que não se pode descobrir o autor. Lísias, no desejo desesperado de ser entendido e admirado, embeleza suas próprias palavras e as repete desnecessariamente. Desse modo fica expresso o desprezo de Sócrates pelo orador, que nada mais é que um teórico sem conhecimento real do assunto que articula.

O primeiro discurso de Sócrates

O primeiro discurso de Sócrates nada mais é que uma versão mais elaborada e consciente do discurso de Lísias. Persuadido por Fedro a dar sua opinião, o filósofo acaba metendo os pés pelas mãos e reforçando a teoria do seu “inimigo”. O discurso é iniciado com uma avaliação provocativa e reveladora: Sócrates deixa implícito que Lísias por estar apaixonado pelo jovem rapaz, que tinha inúmeros admiradores, decidiu convencê-lo que não o amava como os outros e que se deveria dar favores aos não amados.
“Eis, caro rapaz, o que é necessário ter em mente; devem saber que o amor de um homem apaixonado não provém de um sentimento benévolo, mas, como o apetite ao comer, da necessidade de satisfazê-lo. Como o lobo ama o cordeiro, ama o apaixonado o seu amado”.
Desse modo Sócrates não só afirma todas as observações do rival como afirma que o mesmo estava com segundas intenções ao fazê-lo. Essa parte da obra é marcada com a hipocrisia do filósofo que tentando abrir os olhos de Fedro acaba por fazer o mesmo que Lísias: um discurso para fins pessoais e não voltado para o verdadeiro conhecimento.

A voz demoníaca

Percebendo suas falhas, Sócrates diz ser tomado por uma força intitulada “daimónion” que o impede de fazer suas vontades. “O demônio” é a voz da razão, a consciência, a verdadeira sabedoria. Sócrates compreende que agiu de uma forma egoísta e acabou “pecando” contra Eros (deus do amor) quando afirmou que o amor não era benévolo. “Ora, se Eros é, como de fato é um deus ou um ser divino, não poderá ser mau”. Movido pela culpa e o medo de ser penitenciado o filósofo resolve expor outro discurso e sugere que Lísias faça o mesmo. Creio eu que a definição de “demônio” por algo supostamente bom (a consciência e o arrependimento) venha do modo como o mesmo enxerga a própria razão. Apesar de ser movida por boas intenções ela acaba enaltecendo as habilidades de Sócrates. Cobrar que Lísias elabore um novo discurso é finalmente vencê-lo da forma mais cruel possível.


O segundo discurso de Sócrates

“... o amor foi enviado ao amante e ao amado, não pela sua utilidade material, mas, ao contrário – e é o que mostraremos – , esse delírio lhes foi incutido pelos deuses para sua felicidade. Essa prova suscitará o desdém dos maus, mas persuadirá os sábios.”

É nessa extensa parte da obra que conhecemos considerações extraordinárias expostas por Platão. O discurso de Sócrates não se limita apenas em corrigir o erro fazendo valer a importância do amor e sua beleza, mas vai além ao criar definições inéditas sobre a alma.
Na visão platônica a alma do homem é simbolicamente representada por um cocheiro sobre um carro alado. O carro é guiado por dois cavalos, um é de boa raça e o outro é de uma raça ruim e rebelde. Esses dois cavalos representam a dualidade existente dentro de nós, são forças opostas, mas complementares. As asas do carro se alimentam do que é bom e ruim, quando se alimentam do bem as asas permanecem forte e guia o carro para o alto, quando se alimentam do mal ficam pesadas e se afastam das coisas divinas. O cocheiro é a razão que tenta conciliar os dois distintos mundos representados pelos cavalos. Nossa alma já conheceu a verdade e deslumbrou a beleza em sua essência no céu descrito por Platão. Por ter experimentado essas maravilhas eternas, acabamos por ficar insatisfeitos no nosso mundo e queremos desfrutar novamente das verdades divinas. Contudo muitas almas, algumas com mais intensidade, outras menos, ficam com uma lembrança de tudo aquilo que viu e viveu no habitat dos Deuses, dessa forma quando ela se depara com algo que evoca o lugar original acaba se sentindo completa e realizada. Platão (através de Sócrates) então explica que cada pessoa encontra no ser amado justamente essa nolstagia de sentimentos divinos. Concluindo dessa forma que o amor dos apaixonados nada mais é que o delírio dos deuses, o sentimento gerado pelas lembranças do ambiente celeste. Por este motivo aqueles que são tocados pela paixão se entregam de uma maneira tão intensa aos que amam, esquecendo a razão,os familiares, o trabalho, e todos os outros sentidos e complementos da vida. Ao sentir novamente o que só sentiu em seu estado original a alma abandona suas convicções e se entrega aos deleites dos delírios dos deuses.

Considerações sobre a retórica

“Sócrates – Refiro-me ao discurso conscienciosamente escrito com a ciência da alma,ao discurso que é capaz de defender a si mesmo e que sabe diante de quem convém falar e diante de quem é preferível ficar calado.”
Completando todo o sentindo da obra, Platão descreve como se distingue a retórica sábia, da vazia, e como a arte do discurso se aplica em diferentes contextos. Mesmo que seja apenas convencer, o retórico precisa entender completamente o que fala, pois negligenciando o entendimento do conteúdo e colocando em moldes palavras vazias, não estará servindo ao propósito da verdade. A retórica verdadeira defende-se por si só, não precisa de repetições ou pleonasmos, por estar ciente do que transmite não só induz o ouvinte aos seus propósitos como transmite os valores divinos da sabedoria. Outro fato importante é saber a quem falar e o que falar afim de não gerar audientes confusos ou céticos. Palavras vazias não trazem frutos, apenas são entoadas gerando o eco da ignorância e do falso saber.

Considerações finais

“Fedro” é uma obra completa que navega nos oceanos do amor, da alma, do conhecimento, do orgulho e da busca eterna pelo saber. Trata-se de visões contrastivas, que tentam explicar o maior mistério da humanidade: O que é o amor? Com uma estrutura filosófica e até mesmo religiosa, o diálogo é baseado em considerações e observações e mesmo se palpando no abstrato produz resultados tangíveis e descobertas apaixonantes.

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